18/05/2013

Heróis de cuecas (e porque o mundo está melhor sem eles)

Publicada por Ana Reis à(s) sábado, maio 18, 2013 2 comentários complexos
Olho-me ao espelho. Cara lavada. Sem artifícios. Pela primeira vez em anos consigo ver para além das minhas olheiras escuras e encontrar os meus olhos. Consigo ignorar as minhas sobrancelhas por depilar, a minha cara assimétrica, a minha pele ainda assaltada por pequenas erupções de borbulhas. Consigo ver para além do estado desastroso em que se encontra o meu cabelo. E quase que consigo perdoar os meus incisivos por terem diferentes tamanhos. Afinal de contas, ninguém tem culpa de eu ter escorregado e caído no chão de uma piscina pública de uma forma tão pouco sexy.

Costumava ficar deprimida por dias sem fim por ser tão ignorada pelos meus amigos e colegas. Costumava fantasiar com o momento em que as coisas iam começar a correr bem. Tal como me tinham prometido nas histórias. E, por isso, decidi manter o meu bom comportamento e esperar pelas mais-que-merecidas recompensas.

Agora, a semanas do meu 25º aniversário eu consigo sentir o tempo a passar. Quando penso na última vez que fiz algo de realmente mind-blowing tenho que contar os meses e os anos, não as simples semanas e dias que sempre separavam uma aventura da seguinte.

Quase 25 anos e o meu conto de fadas continua num irritante stand-by. Não existe ninguém para me salvar agora. Nenhum herói em collants e cuecas com a capa a esvoaçar ao vento. Eu dei os meus saltos e caí, sem ninguém para me apanhar. Apenas comigo mesma a chamar-me de estúpida e a enrolar-me num canto. Mas agora percebo que a única solução que me resta é continuar a saltar.


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É certo que os seres humanos não estão programados para crescer umas asas. Mas somos elásticos. E um elástico só parte quando foi demasiado longe. E mesmo quando chegamos a esse limite longínquo percebemos que podemos continuar a expandir, a partir, a crescer e a viver.

A maior mudança que vivi foi quando mudei de país. É certo que estava à distância de uma mísera hora de de avião. Mas essa hora parecia-me sempre maior, principalmente naqueles malditos voos das 6 da manhã, em que os hospedeiros conseguiam sempre assustar a minha vontade de dormir enfiando-me revistas pela cara adentro e dispersando cafeína pela cabine. Mas isso são histórias para outra altura, envolvendo multas injustas e outras aventuras menos excitantes.

O que eu queria dizer é que estar noutro sítio mudou-me. Não como naqueles programas de extreme makeover. Não voltei uma pessoa diferente, apenas voltei mais “eu”. E sei que isso não deverá ter agradado a toda a gente. Experimentei-me como nunca tinha feito, sem as minhas rodas de apoio. As mesmas que usei durante toda a minha vida antes de ter decidido partir.

E é aqui que entram as minhas olheiras e cara assimétrica. Descobri que, no fim de todas as neuroses, no fim de toda a carência, no fim de toda a necessidade de ser aceite e admirada pelos meus genes, nada disso jamais me iria voltar a preocupar. Eu continuei igual por fora, mas os meus olhos nunca mais voltaram a captar as coisas da mesma forma e os meus pensamentos nunca mais voltaram aos seus padrões originais.

Descobri que gosto de andar sem maquilhagem. Porque, sem maquilhagem, existe uma camada a menos entre mim e o mundo que é tão rico e tão selvagem que não precisa de heróis de collants para animar as coisas.

Gosto de ser eu. Mesmo que isso implique ferir pessoas. Porque feri-me a mim mesma durante toda uma vida, não me permitindo ser quem na verdade sou. Uma bookworm, que adora animes, mangas e tudo o que tenha alguma coisa a ver com cultura japonesa. Gosto de vestir uma bata e fazer as coisas esquisitas que os microbiólogos fazem num laboratório. Gosto de sentar-me a escrever ao fim do dia, mesmo com dores de cabeça e na iminência de adormecer em cima do teclado. Gosto de recusar convites para festas quando estou a seguir uma história na minha cabeça.

Não gosto de pensar no passado. Nas coisas que fiz em momentos em que só tinha metade do cérebro em funcionamento. Não gosto de pensar nas coisas que devia ter dito e feito. Gosto de pensar no agora. No fim da tarde e na família fantástica que está disposta a aguentar os meus sonhos ridículos apenas porque gosta de me ver sorrir.

Nunca fui uma pessoa muito optimista. Mas sempre fui curiosa. E sempre que a dúvida se instala ou a coragem desmorona há algo que faz ficar: a impaciência de saber o que vai acontecer a seguir! Porque enquanto ainda estiver viva coisas magníficas podem e vão acontecer. Vou aprender a saltar e aprender a cair e aprender a levantar-me e a fazer tudo de novo. E mais vale começar o mais rápido possível, porque a vida não fica mais fácil

Nunca vou escrever aquele livro que tenho em mente se estiver à espera de ter vontade. Porque a vontade é caprichosa e às vezes só aparece quando já temos as mãos bem enterradas na massa. A motivação vem de dentro, de saber que não posso dar-me ao luxo de desistir. Porque da próxima vez que me entregar à corrente da vida podem passar anos até que eu tenha forças, vontade ou paciência para submergir novamente e sonhar.

O sonho não se vive na cabeça. É um esforço diário, contínuo e casmurro como um raio. É saber que o caminho é difícil, cortante, sufocante e sorrir.

14/05/2013

Terapia de choque

Publicada por Ana Reis à(s) terça-feira, maio 14, 2013 1 comentários complexos
Sinto uma neblina a instalar-se a partir duma certa hora. Por isso tenho que me levantar para fazer uma saudação ao sol no chão da sala (os praticantes de Yoga vão perceber).

Ajuda sempre um pouco. E não deixa de ser mais inteligente que um café nocturno, que me deixa sempre a debater furiosas teorias pela noite dentro.

Neste momento o meu cérebro a esforça-se para além da sua quota diária de energia. Sinto-me como se tivesse apenas meio cérebro.

O que me permite suportar apenas metade das tretas que são habituais. O que não deixa de ser óptimo, visto que foram essas tretas bem pensadas que tornaram a minha escrita tão falsa nos últimos tempos.

Sinto uma certa saudade de escrever como escrevia na minha adolescência. Com os dramas, catastrofismos e toda aquela inocência parva que nunca tinha medo de arriscar.

Talvez eu tivesse apenas meio cérebro na altura. Com todas as hormonas em estratagemas de distracção crónica. Se escrevi para além de tudo isso suponho que não tenho desculpas para não o fazer agora.


Tenho escrito de forma consistente nos últimos dias. Porque me deixei de meias-soluções (=tretas) e me atirei de cabeça. Parece que planos extravagantes e passinhos de bebé não funcionam comigo.

Aparentemente, pelo andar das coisas, o que parece funcionar é terapia de choque. Ser brutal com a minha preguiça pós-jantar, sentar-me na cadeira mais desconfortável da casa e simplesmente escrever como se amanhã não fosse dia de trabalho.

Passei tanto tempo em busca de truques mágicos. Nunca me deti realmente a analisar se essas extravagâncias poderiam funcionar comigo.

Sou uma pessoa de passos de gigante. Não foi sempre assim. Mas começou a ser a partir do momento em que percebi que era demasiado boa a inventar desculpas. Em antecipação da incerteza que sempre sinto ao escrever a minha mente prefere sempre dar um tiro no pé.

A única solução viável é arranjar qualquer distracção que me permita aproximar do teclado sem que ela tenha tempo para debitar as suas velhas desculpas.

Só assim é que realmente consigo encontrar aquela folga que preciso para começar a teclar. Aquela brecha entre as neuroses do meu dia-a-dia e a clareza da imaginação.

01/05/2013

Sonhos eternos

Publicada por Ana Reis à(s) quarta-feira, maio 01, 2013 2 comentários complexos
Tenho a horrível sensação que me estou a tornar numa daquelas eternas aspirantes que escreve muito sobre como é dificil escrever mas que, na prática, não faz mais do que ingerir calorias, ver séries e fazer maratonas de filmes com pijama.

Já não sou nenhuma criança. Por isso suponho que já não preciso de  pintar o cenário de cor-de-rosa, fingir que tudo é fantástico e que a vida é uma pradaria (eu ia escrever mar de rosas, mas achei que era demasiado cliché e eu estou numa cruzada contra os clichés... um dia falo sobre isso).

Portanto sou adulta o suficiente para admitir que não tenho aquilo que é preciso para escrever um livro. Pelo menos neste momento da minha vida...

Não tenho, porque passo os meus dias apressados concentrada noutra coisa qualquer e quando realmente arranjo tempo acabo por esgotá-lo com lamúrias.

Estou naquele ponto da minha vida em que já tentei o suficiente para saber que o caminho não é nada fácil. Mas ainda me falta a convicção (ou temosia) para me atirar a ele.

O que me custou admitir é que, ás vezes, os sonhos não passam disso porque não temos o sangue frio para lhe tirar o romantismo e para começar a vivê-los. Não temos coragem suficiente para os tirar da cabeça e pôr-los no papel. Porque já fizemos algumas tentativas patéticas que nos deixaram de rastos.

Os sonhos são sempre mais bonitos na nossa cabeça. Porque nela não temos que lidar com as nossas falhas ou limitações. E por isso é sempre mais confortável mantê-los assim.

Mas também chega a um ponto em que nos fartamos das nossas próprias fantasias. Qualquer desejo ou sonho por realizar azeda e mantê-lo em processo forçado de maturação só acumula resentimento e miséria.

O momento para desistir é agora. Quando ainda não tentei o suficiente. Sinto-me tentada a isso.

O que existe para além deste impasse é-me desconhecido. Tudo o que existe para além deste precipício é uma anormal queda de 20 metros, e é só no momento em que damos o salto é que descobrimos se somos um pássaro ou se nos vamos esborrachar no chão...
 

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