06/08/2013

Sapos, música ambiente e primeiros rascunhos

Publicada por Ana Reis à(s) terça-feira, agosto 06, 2013 4 comentários complexos
Começo a escrever. Lentamente ao início. Ganhando velocidade a cada novo minuto. Um início é sempre penoso, demora até que os meus dedos entrem no ritmo e até que os meus pensamentos se ajustem à página. E enquanto não consigo ver com clareza vou-me entretendo com o meu pântano de tretas e com os sapos que por lá vagueiam.

Frog de wattersflores

Não vou dizer que percebi logo ao início o que eram os sapos. Pensei que eram seres bonitos, interessantes e descomplicados e achei que talvez fosse boa ideia deixar-me enrolar. Foram as pequenas coisas que os denunciaram: as desculpas matreiras e totalmente racionais que usavam para me desviar do meu caminho.

Eu queria atravessar o pântano e chegar à minha zona, aquela onde consigo escrever. Mas os sapos estavam lá. E a cada um que derrotava apareciam outros, maiores, mais gordos e mais espertos... e cada vez mais assustadores. Agora não só tinha o pântano de tretas como tinha os sapos para esquivar.

Tanto as tretas (pensamentos que me distraem) como os sapos (excessiva racionalidade) têm a sua utilidade. Ajudam-me a encontrar a ordem no caos. Mas ao escrever eu não quero a ordem, pelo menos não ao início, eu quero o caos.

Então continuo a teclar ao som de Blues, Jazz e Ciberpunk até que a música me começa a irritar. O barulho é bom, distraí os sapos. E dá-me tempo para atravessar o pântano sem ficar presa nele, sem olhar para trás, sem correr o risco de encontrar um sapo gordo e gigante pelo caminho, com vontade de me papar.

Ás vezes ainda assim lá encontro um sapo. Os mais velhos são sempre mais sacanas. As pregas de gordura, a pele rugosa, os olhos enormes o hálito a moscas mortas. Tudo desenhado para me assustar. Ás vezes ganho às vezes perco. Nada é muito certo.

Por isso ouço um pouco mais de música, leio coisas parvas no Facebook, questiono a sabedoria da minha decisão de nunca abandonar a escrita, faço planos estúpidos para o caso de perder um braço ou ficar cega, e questiono-me se terei que contratar alguém para escrever por mim no caso disso acontecer.

Alheia ao facto de neste momento possuir dois braços e um rabo para me sentar. E nestas divagações canso o sapo e a parte do meu cérebro que está dolorosamente consciente da sua existência. E quando dou por mim entrei na Zona e estou a olhar nos olhos o caos.

Eu gostava de dizer que sou perita na zona. Mas não sou. Ás vezes, em divagações encontro-a sem querer, outras vezes, querendo acabo por falhá-la por quilómetros.

O único sinal de que estou a entrar nessa zona é o passar do tempo e das palavras. Ela costuma chegar depois das primeiras 500 palavras de treta e quando chega tenho que desligar a música e concentrar-me unicamente no ecrã. Não existe fogos de artifício por lá, apenas uma estranha elasticidade do tempo e uma vaga sensação de que as horas voam e que os minutos se derretem e que os meus dedos teclam à velocidade da luz. Talvez eu esteja a trabalhar à velocidade duma tartaruga bebé para o observador comum. Não sei, não tenho por hábito deixar-me ser observada quando escrevo. Mas aos meus olhos agrido as teclas a uma velocidade estonteante e é essa inércia, esse contínuo, que me impede de parar.

Quando estou cá deixo de ser a pessoa que sempre fui, deixo de estar consciente de todas as coisinhas que me pareciam tão importantes à alguns momentos e foco-me na escrita e no ritmo e nas coisas que fluem sem travões para o ecrã em branco que se vai preenchendo excessivamente com palavras e frases e parágrafos que não têm prazo para acabar.

Aquilo que me apercebi ainda ontem é que tenho sido idiota. Estava preocupadíssima porque não conseguia continuar as histórias que começava. Estava já a começar a questionar se não devia desistir de vez para não ter que sentir na pele esta estagnação.

Foi então que tive uma ideia quando estava a estender a roupa ao sol. Os meus dedos começaram a formigar, com a antecipação do ritmo. Não precisei de atravessar nenhum pântano quando me sentei a escrever, não precisei de suportar 500 palavras de tretas, fui directa onde tinha que ir. E só parei passadas 1700 palavras. Aquilo que percebi mais tarde é que foi extremamente fácil escrever assim. Simplesmente porque estava a contar a história do ponto de vista do protagonista. Estava na cabeça dele, estava a sentir aquilo que ele estava a sentir.

Talvez seja o começo de um crónico caso de delírio. Ou talvez eu tenha finalmente aberto os olhos a um facto estupidamente simples: eu só me importo com a história quando a conto na primeira pessoa. E quando corto todo e qualquer contacto com o mundo que me rodeia. Quando confio que as coisas não vão desabar pelo simples facto de eu não lhes prestar atenção durante uns minutos.

Quando conto a história na terceira pessoa imediatamente ganho aquele tom convencido e épico que tenho que a certeza de ter aprendido com os filmes de Hollywood. De repente a minha história torna-se demasiado importante para mim, torna-se um gigante de 50 olhos e eu dou por mim a cantar-lhe o Somebody that I used to know... e a ficar-me por ali. O rascunho fica, mas o entusiasmo evapora-se.

A verdade é que não me posso dar ao luxo de me levar demasiado a sério. Demasiado julgamento analítico do tema deixa-me presa a um monólogo com o sapo gigante que ronda os meus pântanos. Histórias demasiado épicas tornam-se patéticas nas minhas palavras, não importa quanto eu tente, correm sempre mal. Os meus heróis (se é que os posso encaixar nessa categoria) são mais como eu, não têm grandes peitorais ou abdominais, não têm grande jeito para carregar uma espada, mesmo aquelas que são de brincar. Não têm grande capacidade para serem lideres audazes.

Na maior parte dos casos são extremamente curiosos, metem-se onde não se deviam meter. Não são muito eloquentes, nem elegantes, nem se sentem confortáveis nas luzes da ribalta. Mas os sítios para onde eles me levam não deixam de me surpreender, não deixo de ficar interessada, não paro de rir com as observações ridículas e irónicas que eles fazem sobre o mundo que tento criar para eles. Portanto, não deixo de me divertir. Se um dia escrever sobre heróis de tanga será uma história patética e sem substância.

Com tudo isto consegui não desistir do conto que começou a formar-se na minha cabeça quando estava a estender a roupa. Prometo que não tem nada a ver com a lide doméstica (para já pelo menos). Tem sido divertido escrever ficção depois de tanto tempo a achar que era uma nódoa. Por isso, para não correr o risco de desistir do conto prometo a todos vocês que o irei publicar (neste blog ou numa revista louca que o queira aceitar) em português e inglês para todos que quiserem divertir-se um pouco com o fruto das minhas divagações!

Conto com vocês para me melgar o juízo no acaso de ficar cativada com um sapo mais elegante e me esquecer de continuar a avançar.
 

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